Lisboa, 2 de Julho de 2019 – Um imóvel na cidade de Lisboa, com três assoalhadas, um contrato de arrendamento cinco anos, e uma renda mensal de até 1.150 euros, passou, a partir de ontem, a ter isenção fiscal integral da taxa liberatória de 28% dos rendimentos prediais, no âmbito das novas regras do Programa de Arrendamento Acessível do Governo. Todavia, uma outra habitação, com as mesmas três assoalhadas, numa das mais centrais freguesias da capital – Arroios –, e uma renda vitalícia mensal congelada há décadas, no valor de €4,99, terá que entregar ao fisco 28 por cento desse valor para efeitos de IRS.
Já um T5 “acessível” na capital, com o mesmo contrato de duração mínima de cinco anos, passará a estar isento de IRS, quando praticada uma renda mensal de até €1.700, mas, um imóvel com as mesmas seis assoalhadas, nas inflacionadas freguesias da capital da Estrela, Ajuda, ou Alcântara, cuja renda foi congelada, há largas décadas, e actualmente se situa em apenas €5 mensais (um valor inferior ao de uma refeição numa cadeia de fast food), continua a ter de entregar à máquina fiscal do Estado 28% desse parco rendimento, sobre o qual incide, também, o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e, possivelmente, o Adicional ao IMI (no caso de um senhorio com vários imóveis).
Os casos acima apresentados não são ficção – são escandalosos exemplos retirados de uma pesquisa efectuada pela Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) ao universo de contratos de arrendamento em Lisboa e concelhos limítrofes por si geridos em nome dos seus Associados. Esta é uma realidade que o actual e os sucessivos Governos que lhe antecederam deliberadamente ignoraram, e que teimosamente continuam a recusar-se a corrigir, deixando, assim, eclodir a grave crise habitacional que o país atravessa.
Para demonstrar a disfuncionalidade existente no mercado de arrendamento, que foi severamente agravada pelas sucessivas alterações legislativas e fiscais deste Governo, a ALP analisou um universo de mais de 5500 contratos de arrendamento.
As conclusões revelam uma gritante assimetria entre as rendas “antigas” (contratos anteriores a 1990), que continuam a estar congeladas por activa intervenção política deste Governo e das forças que o sustentaram no poder, e os valores estratosféricos previstos no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível do Governo, que entrou ontem em vigor (e que, recorde-se, ainda assim, são valores 20% abaixo do valor da mediana das rendas praticadas actualmente nos grandes centros urbanos do país).
No Universo ALP, mais de um terço dos contratos de arrendamento (38,5%) são anteriores a 1990 – ou seja, são casos de rendas “antigas”, congeladas.
A mediana das rendas geridas pela ALP na Grande Lisboa cifra-se em apenas 337,86 euros (e a média da mesma amostra fixa-se em 393,90 euros). Recorde-se que a mediana das rendas em Lisboa, de acordo com os dados publicados em finais de Março pelo INE – Instituto Nacional de Estatística, se fixou em €11,66 por metro quadrado, e que é totalmente impossível encontrar qualquer oferta de habitação nos dias de hoje por estes valores mensais na Grande Lisboa.
Mais de metade (51,4%) dos contratos analisados pela ALP têm rendas mensais no intervalo entre os €100 e €350. Praticamente um quinto da amostra destas rendas praticadas em Lisboa e nos concelhos limítrofes (957 contratos de arrendamento) fixa-se no intervalo entre €2,24 a €150 mensais. Em 2019, sem qualquer justificação possível se não a de uma cegueira ideológica, registam-se ainda no portefólio de imóveis geridos pela ALP mais de uma centena contratos de arrendamento com rendas mensais entre os €2,24 e os €25.
O Programa de Arrendamento Acessível do Governo, que ontem entrou em vigor, estipula isenções fiscais aos Proprietários em sede de IRS com tectos absolutamente desfasados do poder de compra da esmagadora maioria das famílias portuguesas (T0 por €600 euros; T1 até €900 euros; T2 até €1150; T3 até €1375, T4 até €1550, T5 até €1700 mensais), mas a realidade dos imóveis dos Associados ALP, que representam os “senhorios tradicionais”, revela um outro cenário: o valor médio de renda mensal em contratos celebrados após 1990 é de € 512,92, e o valor médio de renda mensal, em contratos antigos, anteriores a 1990, é 40% inferior, fixando-se em €203,34 mensais. Sobre estes valores, esmagadoramente abaixo dos valores do Programa de Arrendamento Acessível do Governo, continuará a incidir IRS, que confisca três rendas por ano aos senhorios exclusivamente para a liquidação deste imposto.
A ALP vem denunciar publicamente estas profundas assimetrias na Grande Lisboa, região do país mais afectada pela escassez e escalada dos preços do arrendamento, para que o Governo entenda que não pode continuar a ignorar a realidade das rendas baixas e contratos vitalícios que convive, em concorrência desleal, com a especulação de preços actuais praticados no mercado e, agora, com o Programa de Arrendamento Acessível.
Mudar o paradigma na Habitação e do Arrendamento e restabelecer a confiança dos Proprietários tem que ser a prioridade na recta final deste Governo e do xadrez politico que irá advir na próxima legislatura.
Sem esta mudança de atitude, o Programa de Arrendamento Acessível, cujas premissas de estímulo ao arrendamento de média e longa duração são compartilhadas e defendidas pela ALP (apesar de o Governo nunca ter chamado qualquer estrutura de Proprietários para debater em conjunto a solução a adoptar) está destinado ao fracasso. Este programa deixa de fora a gigantesca fatia da classe média que não encontra actualmente uma solução de habitação digna nos grandes centros urbanos do país, optando por oferecer à pequena parcela da classe alta portuguesa um desconto no arrendamento, e benefícios fiscais aos quais apenas novos investidores, a sua esmagadora maioria fundos imobiliários sem rosto, irão usufruir.
Exige-se, por isso, um sinal claro e inequívoco por parte do Governo. São urgentes medidas de estímulo ao arrendamento, que atenuem, também, as injustas assimetrias que se perpetuam nos contratos antigos, aqueles cujos proprietários ainda são forçados a assegurar a função social do Estado, sendo, ainda para mais, penalizados por via fiscal, face aos novos contratos de arrendamento.
A ALP exige por isso, idênticos benefícios fiscais concedidos ao Programa de Arrendamento Acessível a todos os contratos anteriores a 1990, e àqueles que, sendo posteriores a 1990, foram transformados, por irresponsável intervenção do actual Governo, em contratos vitalícios (no caso de inquilinos com idade superior a 65 anos e que residem no locado há mais de 15 anos).
Trata-se da aplicação da mais elementar justiça e equidade fiscal a contratos penalizados há décadas por políticas erradas, pela qual a ALP se vai bater ao longo da recta final desta legislatura e junto do próximo Governo.
A DIRECÇÃO DA ALP
Total da amostra: > 5500 imóveis
Valor médio de renda da Amostra: 393,90€
Valor mediano de renda: 337,86€
Percentil 10: 90,36€
Percentil 20: 148,09€
Percentil 30: 207,53€
Percentil 40: 278,24€
Percentil 50: 337,86€
Percentil 60: 397,84€
Percentil 70: 455,04€
Percentil 80: 550,00€
Percentil 90: 710,60€
51,4% das casas geridas pela ALP têm uma renda entre €100 e €350
100 casas com rendas dos €2,24 até aos €25
281 casas com rendas dos €2,24 aos €50
957 casas com rendas até aos €150
Contratos anteriores a 18/11/1990: 38,5%
Valor médio de renda (pós-1990): 512,92€
Valor médio de renda (pré-1990): 203,34€