Cada vez mais se vem sentindo a vantagem de os conflitos entre pessoas serem resolvidos por árbitros escolhidos pelos interessados, com uma dupla vantagem: a maior celeridade no julgamento e uma maior confiança em quem julga.
Por isso o Estado criou legislação que estabelece as regras mínimas tidas como indispensáveis para o funcionamento digno e credível de tribunais arbitrais e para a criação, por entidades cuja representatividade e idoneidade sejam reconhecidas, de centros institucionalizados que se dediquem a julgamentos arbitrais.
Assim veio a ser criado em 2001, por iniciativa da Associação Lisbonense de Proprietários e mediante despacho do Secretário de Estado da Justiça que reconheceu estarem verificados os requisitos indispensáveis, o “Centro de Arbitragens Voluntárias da Associação Lisbonense de Proprietários”, cuja designação foi em 2004 alterada para “Centro de Arbitragens Voluntárias da Propriedade e Inquilinato”.
Nos termos da autorização concedida, este Centro tem um âmbito de actuação limitado à área metropolitana de Lisboa, que abrange concelhos desde Mafra até Setúbal, e destina-se à resolução de litígios em matéria de direitos reais (propriedade, usufruto, servidões, etc.) e em matéria de actos ou contratos relacionados com o direito de propriedade e a locação.
Os regulamentos em aplicação no Centro de Arbitragens Voluntárias da Propriedade e Inquilinato (CAV) prevêem duas formas de composição de litígios.
Uma é a mediação, pela qual um ou mais mediadores promovem contactos entre as partes desavindas com vista à obtenção de um acordo que, devidamente formalizado em acta e assinado, fica a vinculá-las nos precisos termos em que foi concluído.
Outra é a intervenção de um tribunal arbitral, que, embora podendo funcionar como um colectivo constituído por três árbitros, é geralmente composto por um único árbitro que tem a função própria de um juiz em tribunal de comarca.
Na actuação do tribunal arbitral são respeitados os princípios fundamentais impostos pela Constituição e pela Lei (igualdade das partes e sua audição sobre os direitos e deveres em discussão no âmbito do litígio) e é permitida a produção das provas pertinentes por ambas as partes em conflito.
Tudo resulta numa decisão final que tem o poder vinculativo de uma sentença proferida num tribunal de comarca, sem prejuízo de ser ainda possível que aquele que se julgue prejudicado pela decisão dela recorra, nos termos geralmente aplicáveis, para o tribunal da relação.
O poder vinculativo da decisão arbitral definitiva permite que a mesma, em caso de não acatamento voluntário, seja executada nos tribunais judiciais, assim se obtendo a imposição coerciva da mesma, com a garantia da sua eficácia. Isto quer dizer que, usando como exemplo aquilo que tradicionalmente se designa por acção de despejo, o não cumprimento de obrigações próprias de um contrato de arrendamento, nos termos em que o tribunal arbitral o reconhecer, pode dar lugar a uma decisão que põe termo ao contrato e conduz à obrigatória desocupação do imóvel arrendado e à sua entrega ao senhorio.
O âmbito material, já acima indicado, do CAV permite a sua intervenção em litígios que versem contractos de arrendamento (ou contratos-promessa de arrendamento), urbano ou rural, de qualquer espécie, sempre que esteja em causa a sua validade, ou a sua interpretação, ou o seu cumprimento.
Em qualquer destes casos, e com ressalva daqueles em que a legislação estadual impõe o recurso a outras estruturas, como as comissões arbitrais municipais regidas pelo Decreto-Lei nº 161/2006, de 8 de Agosto, o CAV está habilitado a emitir decisões que regulem definitivamente os interesses em confronto, de acordo com a lei vigente. A competência do CAV abrange, pois, os litígios relacionados com a falta de residência permanente, com a realização de obras ilegais, com o uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, com a sublocação ilícita, com a denúncia do arrendamento por necessidade da casa para habitação, etc..
Mas outra área de intervenção muito relevante deve aqui ser salientada.
De facto, o CAV também pode intervir nas questões que emirjam de contratos relacionados com o direito de propriedade em geral (ou, também aqui, dos respectivos contratos-promessa), o que abrange, nomeadamente, os contratos pelos quais este direito é transmitido, como a compra e venda e a doação; e também estão incluídos na sua competência outros contratos que criem limitações ao conteúdo normal do direito de propriedade, como o usufruto e as servidões prediais, ou permitam o uso do imóvel por pessoa diferente do proprietário, como é o caso do comodato, ou visem a construção de imóveis por ordem de outrem, como a empreitada.
E, como é possível que a ele se recorra também para decisão quanto a actos, e não verdadeiros contratos, relacionados com o direito de propriedade, também pode ser pedido ao CAV o julgamento de questões que surjam no âmbito da propriedade horizontal, como as relativas ao cumprimento de obrigações pecuniárias de condóminos, ou ao uso de partes comuns do edifício ou obras aí feitas, ou à validade de deliberações tomadas em assembleia de condóminos.
Desde que entrou em funcionamento, ao CAV já se dirigiram mais de duas centenas de pessoas e empresas, que aí instauraram processos arbitrais que têm vindo a ser decididos em termos que justificam a sua existência para os fins para que foi criado.
Na verdade, tem-se constatado, por análise das estatísticas divulgadas pelo Ministério da Justiça, que a decisão é proferida pelos árbitros num tempo médio muito inferior ao que é próprio dos tribunais de comarca, o que traduz uma considerável vantagem, quer no plano da pacificação das relações humanas, quer no da actuação da Justiça, pelo reconhecimento oportuno, a cada um, dos seus direitos subjectivos.
Outra vantagem se impõe destacar: a de, por virtude de alteração recentemente introduzida nos regulamentos aplicáveis, em casos de valor económico igual, o processo arbitral instaurado no CAV ser significativa e sistematicamente menos dispendioso do que um processo proposto nos tribunais comuns.
Estas duas vantagens reais (a maior celeridade e o menor custo) justificam que ao CAV se recorra cada vez mais, aproveitando-se a larga área de actuação que a Lei e a autorização vigente lhe permitem.
A decisão pelo CAV é, como se disse, eficaz e adequada, apoiada na representatividade e idoneidade da Associação Lisbonense de Proprietários e na competência dos seus árbitros – condições que, por terem sido em devido tempo reconhecidas, levaram à constituição do CAV e que, se se não mantivessem, implicariam a revogação, também nos termos legais mas nunca considerada, da autorização ministerial que foi concedida.
Finalmente, há que salientar que o recurso ao CAV só pode ter lugar, como qualquer outro caso de recurso à arbitragem voluntária, havendo um acordo das partes nesse sentido.
Isto passa pela existência, sempre, de uma convenção de arbitragem, que reveste duas formas possíveis.
Uma, denominada compromisso arbitral, consiste no acordo das partes desavindas no sentido de recorrerem a esse meio alternativo de justiça para resolução do litígio que já exista entre elas.
Outra, denominada “cláusula compromissória”, consiste num acordo que os contraentes concluem no sentido de por essa via virem a ser resolvidos os litígios futuros e ainda não declarados.
Este acordo é, naturalmente, muito mais fácil de conseguir antes da deflagração do litígio, até pela natural degradação que este traz às relações pessoais.
Por isso, para obtenção deste objectivo é de recorrer, sistematicamente, à cláusula compromissória, incluindo no texto dos contratos, nomeadamente de compra e venda, de empreitada e de arrendamento, uma cláusula onde se preveja que as questões relativas à sua validade, interpretação e cumprimento sejam dirimidas no CAV – cláusula esta que, validamente celebrada, impede que se proponha com esse objectivo uma acção nos tribunais comuns.
Exemplo de cláusula compromissória:
As partes acordam em que os litígios emergentes do presente contrato, nomeadamente os respeitantes à validade, interpretação ou cumprimento do mesmo, serão dirimidos em tribunal arbitral a constituir no Centro de Arbitragens Voluntárias da Propriedade e Inquilinato.