ALP
ASSOCIAÇÃO
LISBONENSE
DE PROPRIETÁRIOS
Professor Luís Menezes Leitão – 11.07.2018

A falta de protecção constitucional dos proprietários.

 

Temos assistido nos últimos tempos a um ataque sem precedentes aos direitos constitucionais dos proprietários. Esperar-se-ia, pelo menos, que o Tribunal Constitucional tivesse oportunidade de se pronunciar sobre o assunto em fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis. Sucede, porém, que o Presidente da República, que jurou fazer cumprir a constituição, não mandou até agora e continua a não mandar um único diploma para fiscalização preventiva da constitucionalidade. Pela primeira vez desde a entrada em vigor da constituição de 1976, a fiscalização preventiva da constitucionalidade desapareceu do nosso sistema jurídico, o que deixa o governo e o parlamento de mãos completamente livres para arrasar os direitos dos proprietários.

É claramente inconstitucional o diploma que decreta a suspensão de todas as denúncias dos contratos de arrendamento e dos próprios processos de despejo em curso no caso de os inquilinos terem mais de 65 anos e ocuparem o imóvel há quinze anos. Trata-se de contratos que as partes quiseram que fossem temporários, e que continuam a ser temporários em face da lei vigente, mas que o diploma proíbe uma das partes de os denunciar no fim do prazo que foi estipulado. Os proprietários vêem assim ser-lhes lesado não apenas o seu direito de propriedade, mas também retirado o seu direito de acesso aos tribunais, quando a lei que presentemente vigora lhes permite pôr termo ao contrato no fim do prazo estipulado.

Apesar disso, o Presidente da República promulgou o diploma, dizendo que “olhando à experiência jurídica passada, sucessivos regimes legais sobre esta matéria acabaram por não ser considerados violadores dos princípios aplicáveis da Constituição da República”. O problema é que nunca houve um diploma semelhante a este durante a vigência da actual Constituição. Na verdade, medidas com este radicalismo só existiram no nosso país nos tempos de Vasco Gonçalves, que igualmente decretou em 1975 uma suspensão das denúncias de contratos de arrendamento e dos processos de despejo. É por isso natural que diplomas semelhantes nunca tenham sido considerados violadores dos princípios constitucionais, uma vez que nesse tempo não havia princípios constitucionais, nem Tribunal Constitucional que pudesse controlar a constitucionalidade das leis. É por isso uma pena que a inacção do Presidente da República esteja a atirar Portugal de regresso a esses tristes tempos.

Quanto às razões sociais que o Presidente da República invoca, é manifesto que não compete ao Estado fazer segurança social à custa de imóveis de cidadãos privados. A afectação dos imóveis privados a fins de segurança social constitui uma verdadeira expropriação, a qual nos termos constitucionais não se pode fazer sem indemnização. Medidas de protecção dos inquilinos como estas já foram consideradas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso Hutten-Czapska v. Poland como violadoras dos direitos fundamentais dos proprietários. Deveriam por isso os órgãos de soberania portugueses seguir essa indicação e não atentar contra a propriedade como direito fundamental.

Infelizmente, no entanto, não é isso o que sucede. Em Portugal os direitos constitucionais dos proprietários podem ser facilmente lesados sem que nenhum órgão de soberania, nem parlamento, nem governo, nem presidente, nem sequer os tribunais — aos quais lhe é agora proibido o acesso — os venha proteger. É uma situação que deveria causar preocupação a todos os portugueses, uma vez que, se hoje atacam os proprietários, sem que ninguém os proteja, amanhã virão atacar outros cidadãos, até chegarem a toda e qualquer pessoa, e nessa altura, como no célebre poema de Martin Niemöller, já não restará ninguém para os defender.

 

Luís Menezes Leitão

Presidente da Associação Lisbonense de Proprietários