Já se sabia de há muito que a formação da geringonça iria levar a um governo ideologicamente hostil à propriedade privada. Não se esperava, porém, que este governo e este parlamento fossem de tal forma violentos e radicais nos ataques que sucessivamente lançam contra os poucos proprietários que, apesar de tudo, ainda se têm mantido no mercado de arrendamento. Mas, a continuarmos neste caminho, até os últimos senhorios que ainda resistiam são muito capazes de abandonar de vez qualquer intenção que tivessem de arrendar as suas casas.
A última demonstração desta sanha contra os proprietários reside no diploma que foi aprovado pelo parlamento a decretar a suspensão de todas as denúncias do contrato de arrendamento e dos próprios processos de despejo em curso no caso de os inquilinos terem mais de 65 anos e ocuparem o imóvel há quinze anos. Não se trata neste caso de arrendamentos antigos, abrangidos pela Lei Cristas, mas antes de contratos que as partes quiseram que fossem temporários, e que continuam a ser temporários em face da lei vigente, mas que o parlamento quer proibir uma das partes de os denunciar no fim do prazo estipulado. Isto mesmo que o inquilino até já tivesse saído do imóvel e recebido inclusivamente uma indemnização por esse facto, bastando-lhe agora devolver a indemnização para ficar com um arrendamento eterno, mesmo que o prédio já esteja ocupado por terceiros. É difícil imaginar maior violação da confiança das partes e maior atentado aos direitos das pessoas. O Parlamento pretende retirar a uma das partes num contrato o seu direito de acesso aos tribunais, quando a lei que presentemente vigora lhe permite pôr termo ao contrato no fim do prazo estipulado.
Medidas com este radicalismo só existiram no nosso país nos tempos de Vasco Gonçalves, que igualmente decretou uma suspensão das denúncias de contratos de arrendamento e dos processos de despejo. Aliás, também tem inspiração em Vasco Gonçalves a proposta da deputada Helena Roseta de requisição das casas devolutas pelas Câmaras Municipais, que em 1975 celebraram arrendamentos à força, legalizando inclusivamente ocupações de casas, sem que até hoje muitas delas tenham sido restituídas aos seus legítimos proprietários. Pelos vistos estes deputados são fiéis seguidores destas políticas. Mas o resultado das medidas gonçalvistas foi criar um trauma tão grande nos proprietários que durante décadas não houve arrendamento em Portugal, só tendo começado a voltar a surgir nos anos 1990 com os contratos temporários previstos no RAU, pelos vistos o mesmo regime que agora querem terminar. O resultado já se sabe que vai ser o desaparecimento total do nosso mercado de arrendamento, agravando uma crise habitacional sem precedentes já causada pelo disparatado adicional ao IMI sobre prédios de habitação, que este governo igualmente criou por puras razões ideológicas.
Portugal é um Estado de Direito, tem uma constituição e um tribunal constitucional, pelo que medidas desta natureza nunca deveriam surgir num parlamento democrático. Esperemos por isso que os proprietários portugueses possam ver os seus direitos constitucionais defendidos.
Luís Menezes Leitão
Presidente da Associação Lisbonense de Proprietários